24 July 2009

Ó DEUS, LIVRAI-ME DAS BOAZINHAS!


Ó DEUS, LIVRAI-ME DAS BOAZINHAS
por Ana Veet Maya
Desde pequena eu sempre duvidava daquelas matronas com cara redonda e com bigode, que me apertavam a bochecha e me diziam cuspindo:  
- Que lindinha!

Algo no ar soava falso, formal, obrigatório e eu detestava!

E os sermões tradicionais que elas davam e que sempre começava por “... menina pode, menina não pode...” ?
Eu rejeitava. Algo em meu peito gritava e me diziaque não era bem assim...

Cresci vendo algumas mulheres falando mal de outras tantas.
Meu pai e minha avó diziam que mulher muito sorridente não era séria e que a gente deveria se "conter".
E eu na minha ingenuidade, percebia que as sorridentes eram bem mais bonitas... 
E depois, quando cresci, percebi que as sorridentes eram bonitas e mais sexy também! 

Talvez, por serem invejadas, eram vítimas da maledicência das outras mulheres que não ousavam tanto quanto elas?

Penso que a "diferença" atraía o olhar e a cobiça de muitos homens. 
E essa atenção feria a autoestima de algumas "esposas", talvez mais carentes por não ter a mesma atenção.
Naquele tempo, a esposa era a "do lar".
O prazer, oras, o prazer o homem buscava na rua...

Eu tinha uma tia que era bem baixinha e amorosa com todos, mas super reprimida pelo marido. 
Ela era tão subserviente que se deixava literalmente fazer de escrava. 
Andava a pé só pra economizar. 
Não comprava nada para ela, só para ele. 
E até mesmo a comida melhor era sempre pra ele. 
Muito contida, nunca se queixava.

Mas bastava estar num evento de família e tomar uma caipirinha, que a vergonha sumia e a língua soltava...
Começava então a brincar com os tios, a elogiar o churrasco e a linguiça do churrasqueiro... 
Eram brincadeiras ingênuas da época mas que revelavam muitos desejos guardados e verdades escondidas...


Enquanto titia economizava e andava a pé, o marido gastava tudo com a amante... 
E todos da família sabiam! 
Aquela verdade velada e disfarçada que ninguém falava na frente, mas falava sempre pelas costas... 

Aqui cabe uma reflexão. 
Parece-me que algumas “esposas” acabam pelo cansaço promovido pelo excesso de atividade e “obrigações”, entregando-se a uma forma de desleixo... Já as supostas “amantes” parecem ter mais disposição e energia e se mostram mais cheirosas, cuidadas e disponíveis... 
O que você acha?

Tinha também uma tia que morava no litoral e que era linda linda.
De todas as que eu conhecia, era a mulher que usava os melhores perfumes, os melhores vestidos, jóias e sapatos de salto alto. 
Usava batom vermelho e vestido bem acinturado.  
Algumas mulheres da família, não tão bonitas, algumas mais gordas, outras que viviam com avental sujo de gordura, conversavam entre si e diziam assim:
- Ela é mulher fácil. Ela é mulher "da vida".

Hoje eu analiso que essa tal fama,  vinha do fato dela ser muito feminina e sexy e atrair a atenção de todos. 
Pela “diferença”, ela pagou esse preço de ficar “mal-falada”.

É muito comum para alguns, dizer que é errado aquilo que não tem, aquilo que cobiça  ou o que não entende.

Enquanto essa tia fazia penteados e usava laquê cheiroso, algumas só podiam usar laquê de “cerveja”, com cheiro ruim e característico...

E ela também tinha lindas bonecas na cama. 
Naquela época eram chamadas de “boneca dorminhoca” e ela tinha de todas as cores.

Num tempo onde nem as crianças tinham muitos brinquedos,fica mais fácil entender a inveja e a maledicência dos que não tinham o que ela tinha... Inclusive, dos que não sentiam o prazer que ela sentia e que mostrava na face sorridente sem pudor!

Eu amava visitá-la.

Podia brincar com as bonecas. 
Ela me passava perfume e me deixava passar batom!

Eu a admirava e pensava: 
- Quando crescer quero ser como ela!

E na escola?
Quem não teve uma amiga da turma do fundão? 
Aquela que todos os professores gostam de chamar e dar bronca e sermão?

Eu também tive! Ela cabulava aulas para ir namorar.
Enquanto a maioria de nós ainda não tinha dado o primeiro beijo, ela já beijava de língua! 
A gente a ouvia extasiada!
Enquanto nós e outras amigas ficávamos no recreio comendo nossos lanches engordativos, ela encontrava um cantinho escondido no pátio da escola, só pra ficar beijando o namorado! 

Ela era tão linda. 
 E ela fazia coisas audaciosas! 
Ela enrolava a saia de uniforme na cintura, só pra ficar curtinha.

Ela nem sabe que assim ousada, inspirou a imaginação de todas nós!

Mas algumas mamães mais medrosas e inexperientes, alertavam as filhas e diziam: 
- Não ande com ela! Ela é má influência, ela é mal-falada!

Interessante. Parece que é mais fácil criticar, julgar e excluir, do que ensinar os filhos a aprender com a diversidade...

E enquanto nós aprendíamos sobre amor, romance e sexualidade lendo as revistas da época, ela aprendia exercitando ao vivo, aproveitando bem a sua meninice e depois, a sua adolescência.

Nesse tempo também aprendi sobre a inveja.

Porque eu via que era comum as minhas amigas menos cuidadas, com pernas sem depilar, falar mal dela e dizer que ela não prestava...

"- Beleza não vai na mesa." Dizia minha avó.

Lembro-me também de uma professora que tive no segundo ano do primário.

As mães comentavam entre si: 
- Não deixe sua filha cair com ela. Ela não presta! Ela tem má-fama!

Hoje eu entendo por quê falavam isso... Essa professora era linda e loira, de cabelos compridos e sempre cheirosos, batom vermelho e sempre muito bem arrumada. Foi uma das mulheres mais carinhosas e femininas que conheci. 

Hoje compreendo por quê a independência e a liberdade dela incomodava tanto às demais mulheres, que ainda não trabalhavam fora e que viviam como secretárias do lar.

Parece-me que muitas vezes é mais fácil criticar e condenar o outro, do que aprender, mudar e ir à luta.

Essa professora era a única que usava delineador nos olhos. 
E puxava um rabinho muito bonito nos cantinhos, o que a deixava muito atraente.

Hoje em dia, ao lembrar dela, tenho certeza que ela sentia prazer! 
Porque naquele tempo quando ninguém ainda sabia o que era orgasmo, ela já falava em sexo e tinha cara de quem acabara de gozar: sempre um sorriso matreiro na face.

Em tempos nos quais poucos sabiam sobre prazer e sexualidade, muito natural que ela fosse discriminada e igualmente “mal-falada”...

Lembrei-me agora daquela amiga de vinte anos, loira, linda, sexy. 
Tão “quente”, tão assanhada, que brincava de se roçar até com o câmbio do carro!
Ela fora mãe ainda muito nova. 
Aos vinte, ainda sentia-se em plena adolescência. 
Com uma filha pequenininha, explorava e tentava aprender com a vida tudo o que pudesse, para ser mais feliz e sentir-se realizada em tudo, inclusive sexualmente.
Afinal, a maternidade precoce acrescentara muitas obrigações na sua jovem vida.

E como ela explorava tudo e tentava de tudo, nem sempre tão cautelosa pra esconder seus atos da sociedade, ela também adquiriu “má fama”.

Parece-me que é comum que algumas mulheres que não tem prazer, nem o sexual, critiquem e condenem quem tenta, quem ousa e investe sem ter medo de mudar.

Afinal o “até que a morte nos separe” ainda está bem grudado na nossa memória católica.

Eu tive um amigo que gostava de falar que mulher não gosta de “homem bonzinho”.

E eu, sempre uma livre-pensadora, pergunto-me se homem gosta de “mulher boazinha”?

Percebo casamentos tradicionais que mantém apenas a “fachada”, enquanto os homens, escondidinhos (ou não tão escondido), buscam prazer e mais alegrias nos braços das amantes, conhecidas por não serem tão “boazinhas”.

E leia-se aqui como “boazinha”, a mulher que fala “sim” em detrimento de seu próprio bem-estar e seu prazer, muitas vezes apenas pra manter  um casamento, para ter ao seu lado um homem "pra chamar de seu"... Um homem que talvez nunca a tenha amado de verdade...
Será?

Penso que quem ama respeita!
Quem ama, entende, não condena, não julga.
Quem ama, soma, faz, pede! Não manda, dá exemplo e compartilha!

Será que vale a pena viver mentindo, enganando a nós mesmas?
Será que é certo o ditado que diz “antes mal acompanhada do que só" ?

Onde está o certo. E onde está o errado?

Mas eu gosto de refletir. 
Somos responsáveis por nosso sim e pelo nosso não.
Podemos aprender com nossas escolhas, acertos e erros.

Não é bom ser "rotulada". O rótulo exclui possibilidades. Desintegra ao invés de somar.

No jogo eterno homem X mulher, muitas que carregam o rótulo de “safadas”, tem a preferência nacional...

Mas muitas vezes a mulher que alguns homens preferem na cama, não será a que ele irá apresentar como “esposa”. Foi assim no passado e continua assim no presente.

As mulheres que conheci no passado e que tinham rótulos de mal-faladas, eram mulheres bonitas, sensuais e mais resolvidas. 

As que tinham fama de “boazinhas”, eram menos femininas, menos cuidadas, menos felizes no casamento e também as mais autoritárias e juízas das outras que estavam com o prazer em dia.

Assim o “sistema” vai perpetuando suas falhas e a maledicência e a inveja parecem nunca ter fim.

Já carreguei e ainda carrego vários rótulos.
Para uns, sou polêmica. Para outros sou ousada. Para outros, mal-falada... hehehe

E você? 
É "boazinha"? É "mal-falada"?


Onde me apresentarem um juízo de valor, questionarei e buscarei a verdade!
Eu só sei que nada sei...
E sigo pela vida sempre uma aprendiz.

Ó Deus! Livrai-me das “boazinhas” !
anaveetmaya

(Ó DEUS, LIVRAI-ME DAS BOAZINHAS - escrito em 2008- Ana Veet Maya)