Ó DEUS, LIVRAI-ME DAS BOAZINHAS
Talvez, por serem invejadas, eram vítimas da maledicência das outras mulheres que não ousavam tanto quanto elas?
Mas bastava estar num evento de família e tomar uma caipirinha, que a vergonha sumia e a língua soltava...
Começava então a brincar com os tios, a elogiar o churrasco e a linguiça do churrasqueiro...
Enquanto titia economizava e andava a pé, o marido gastava tudo com a amante...
(Ó DEUS, LIVRAI-ME DAS BOAZINHAS - escrito em 2008- Ana Veet Maya)
por Ana Veet Maya
Desde pequena eu sempre duvidava daquelas matronas com cara
redonda e com bigode, que me apertavam a bochecha e me diziam cuspindo:
- Que lindinha!
Algo no ar soava falso, formal, obrigatório e eu detestava!
E os sermões tradicionais que elas davam e que sempre começava por “... menina pode, menina não pode...” ?
Eu rejeitava. Algo em meu peito gritava e me diziaque não era bem assim...
Cresci vendo algumas mulheres falando mal de outras tantas.
Meu pai e minha avó diziam que mulher muito sorridente não era séria e que a gente deveria se "conter".
Meu pai e minha avó diziam que mulher muito sorridente não era séria e que a gente deveria se "conter".
E eu na minha
ingenuidade, percebia que as sorridentes eram bem mais bonitas...
E depois, quando
cresci, percebi que as sorridentes eram bonitas e mais sexy também!
Talvez, por serem invejadas, eram vítimas da maledicência das outras mulheres que não ousavam tanto quanto elas?
Penso que a "diferença" atraía o olhar e a cobiça de
muitos homens.
E essa atenção feria a autoestima de algumas "esposas", talvez mais carentes por não ter a mesma atenção.
Naquele tempo, a esposa era a "do lar".
O prazer, oras, o prazer o homem buscava na rua...
Naquele tempo, a esposa era a "do lar".
O prazer, oras, o prazer o homem buscava na rua...
Eu tinha uma tia que era bem baixinha e amorosa com todos,
mas super reprimida pelo marido.
Ela era tão subserviente que se deixava literalmente fazer de escrava.
Andava a pé só pra economizar.
Não comprava nada
para ela, só para ele.
E até mesmo a comida melhor era sempre pra ele.
Muito
contida, nunca se queixava.
Mas bastava estar num evento de família e tomar uma caipirinha, que a vergonha sumia e a língua soltava...
Começava então a brincar com os tios, a elogiar o churrasco e a linguiça do churrasqueiro...
Eram brincadeiras ingênuas da época mas que revelavam muitos desejos guardados e verdades escondidas...
Enquanto titia economizava e andava a pé, o marido gastava tudo com a amante...
E todos da família sabiam!
Aquela
verdade velada e disfarçada que ninguém falava na frente, mas falava sempre pelas costas...
Aqui cabe uma reflexão.
Parece-me que algumas “esposas”
acabam pelo cansaço promovido pelo excesso de atividade e “obrigações”, entregando-se a uma forma de desleixo... Já as supostas “amantes” parecem ter mais disposição e energia e se mostram mais cheirosas, cuidadas e disponíveis...
O que você acha?
Tinha também uma tia que morava no litoral e que era linda linda.
De todas as que eu conhecia, era a mulher que usava os
melhores perfumes, os melhores vestidos, jóias e sapatos de salto alto.
Usava
batom vermelho e vestido bem acinturado.
Algumas mulheres da família, não tão bonitas, algumas mais gordas, outras que viviam com avental sujo de gordura, conversavam entre si e
diziam assim:
- Ela é mulher fácil. Ela é mulher "da vida".
Hoje eu analiso que essa tal fama, vinha do fato dela ser muito feminina e sexy e atrair a atenção de todos.
Pela “diferença”, ela
pagou esse preço de ficar “mal-falada”.
É muito comum para alguns, dizer que é errado aquilo que não tem,
aquilo que cobiça ou o que não
entende.
Enquanto essa tia fazia penteados e usava laquê cheiroso,
algumas só podiam usar laquê de “cerveja”, com cheiro ruim e característico...
E ela também tinha lindas bonecas na cama.
Naquela época eram
chamadas de “boneca dorminhoca” e ela tinha de todas as cores.
Num tempo onde nem as crianças tinham muitos brinquedos,fica mais fácil entender a inveja e a maledicência dos que não tinham o que ela tinha... Inclusive, dos que não sentiam o prazer que ela sentia e que mostrava na face sorridente sem pudor!
Eu amava visitá-la.
Podia brincar com as bonecas.
Ela me passava perfume
e me deixava passar batom!
Eu a admirava e pensava:
- Quando crescer quero ser
como ela!
E na escola?
Quem não teve uma amiga da turma do fundão?
Aquela que todos os professores gostam de chamar e dar bronca e sermão?
Eu também tive! Ela cabulava aulas para ir namorar.
Enquanto a maioria de nós ainda não tinha dado o primeiro
beijo, ela já beijava de língua!
A gente a ouvia extasiada!
Enquanto nós e outras amigas ficávamos no recreio comendo
nossos lanches engordativos, ela encontrava um cantinho
escondido no pátio da escola, só pra ficar beijando o namorado!
Ela era tão linda.
E
ela fazia coisas audaciosas!
Ela enrolava a saia de uniforme na cintura, só pra
ficar curtinha.
Ela nem sabe que assim ousada, inspirou a imaginação de todas nós!
Mas algumas mamães mais medrosas e inexperientes, alertavam
as filhas e diziam:
- Não ande com ela! Ela é má influência, ela é mal-falada!
Interessante. Parece que é mais fácil criticar, julgar
e excluir, do que ensinar os filhos a aprender com a diversidade...
E enquanto nós aprendíamos sobre amor, romance e sexualidade
lendo as revistas da época, ela aprendia exercitando ao vivo, aproveitando bem
a sua meninice e depois, a sua adolescência.
Nesse tempo também aprendi sobre a inveja.
Porque eu via que era comum as minhas amigas menos cuidadas,
com pernas sem depilar, falar mal dela e dizer que ela não prestava...
"- Beleza não vai na mesa." Dizia minha avó.
Lembro-me também de uma professora que tive no segundo ano do
primário.
As mães comentavam entre si:
- Não deixe sua filha cair com
ela. Ela não presta! Ela tem má-fama!
Hoje eu entendo por quê falavam isso... Essa professora era linda e loira, de cabelos
compridos e sempre cheirosos, batom vermelho e sempre muito bem arrumada. Foi
uma das mulheres mais carinhosas e femininas que conheci.
Hoje compreendo por quê a independência e a liberdade dela incomodava tanto às demais mulheres, que ainda não trabalhavam fora e que
viviam como secretárias do lar.
Parece-me que muitas vezes é mais fácil criticar e condenar o outro, do que
aprender, mudar e ir à luta.
Essa professora era a única que usava delineador nos olhos.
E puxava um rabinho muito bonito nos cantinhos, o que a deixava muito atraente.
Hoje em dia, ao lembrar dela, tenho certeza que ela sentia
prazer!
Porque naquele tempo quando ninguém ainda sabia o que era orgasmo, ela já falava em sexo e tinha cara de quem acabara de gozar: sempre um sorriso matreiro na face.
Em tempos nos quais poucos sabiam sobre prazer e sexualidade, muito
natural que ela fosse discriminada e igualmente “mal-falada”...
Lembrei-me agora daquela amiga de vinte anos, loira, linda,
sexy.
Tão “quente”, tão assanhada, que brincava de se roçar até com o câmbio do carro!
Ela fora mãe ainda muito nova.
Aos vinte, ainda sentia-se em
plena adolescência.
Com uma filha pequenininha, explorava e tentava aprender com
a vida tudo o que pudesse, para ser mais feliz e sentir-se realizada em tudo, inclusive sexualmente.
Afinal, a maternidade precoce acrescentara muitas obrigações na sua jovem vida.
E como ela explorava tudo e tentava de tudo, nem sempre tão
cautelosa pra esconder seus atos da sociedade, ela também adquiriu “má fama”.
Parece-me que é comum que algumas mulheres que não tem
prazer, nem o sexual, critiquem e condenem quem tenta, quem ousa e investe sem ter medo
de mudar.
Afinal o “até que a morte nos separe” ainda está bem grudado
na nossa memória católica.
Eu tive um amigo que gostava de falar que mulher não gosta de
“homem bonzinho”.
E eu, sempre uma livre-pensadora, pergunto-me se homem
gosta de “mulher boazinha”?
Percebo casamentos tradicionais que mantém apenas a “fachada”,
enquanto os homens, escondidinhos (ou não tão escondido), buscam prazer e
mais alegrias nos braços das amantes, conhecidas por não serem tão “boazinhas”.
E leia-se aqui como “boazinha”, a mulher que fala “sim” em
detrimento de seu próprio bem-estar e seu prazer, muitas vezes apenas pra manter um casamento, para ter ao seu lado um homem "pra chamar de seu"... Um homem que talvez nunca a tenha amado de verdade...
Será?
Será?
Penso que quem ama respeita!
Quem ama, entende, não condena, não julga.
Quem ama, soma, faz, pede! Não manda, dá exemplo e compartilha!
Quem ama, entende, não condena, não julga.
Quem ama, soma, faz, pede! Não manda, dá exemplo e compartilha!
Será que vale a pena viver mentindo, enganando a nós mesmas?
Será que é certo o ditado que diz “antes mal acompanhada do que só" ?
Onde está o certo. E onde está o errado?
Mas eu gosto de refletir.
Somos responsáveis por nosso sim e pelo nosso não.
Podemos aprender com nossas escolhas, acertos e erros.
Não é bom ser "rotulada". O rótulo exclui possibilidades. Desintegra ao invés de somar.
No jogo eterno homem X mulher, muitas que carregam o rótulo de “safadas”, tem a
preferência nacional...
Mas muitas vezes a mulher que alguns homens preferem
na cama, não será a que ele irá apresentar como “esposa”. Foi assim no passado e continua assim no presente.
As mulheres que conheci no passado e que tinham rótulos de mal-faladas, eram mulheres bonitas, sensuais e mais resolvidas.
As que tinham fama de “boazinhas”, eram menos
femininas, menos cuidadas, menos felizes no casamento e também as mais autoritárias e juízas das outras que estavam com o prazer em dia.
Assim o “sistema” vai perpetuando suas falhas e a maledicência e a inveja parecem nunca ter fim.
Já carreguei e ainda carrego vários rótulos.
Para uns, sou polêmica. Para outros sou ousada. Para outros, mal-falada... hehehe
Para uns, sou polêmica. Para outros sou ousada. Para outros, mal-falada... hehehe
E você?
É "boazinha"? É "mal-falada"?
Onde me
apresentarem um juízo de valor, questionarei e buscarei a verdade!
Eu só sei que nada sei...
E sigo pela vida sempre uma aprendiz.
Eu só sei que nada sei...
E sigo pela vida sempre uma aprendiz.
Ó Deus! Livrai-me das “boazinhas” !
anaveetmaya
anaveetmaya
(Ó DEUS, LIVRAI-ME DAS BOAZINHAS - escrito em 2008- Ana Veet Maya)